quinta-feira, 5 de junho de 2008

As Rosas - Capítulo 2: Escravidão

Ela entrou.
A casa ainda estava muito escura, devido às pesadas cortinas de veludo. Algo desnecessário, na opinião de Laura, já que seu pai estava morrendo. De fato, o câncer de seu pai parecia ter impregnado cada pedaço da casa e de sua vida. Ele se tornou um fardo, uma obrigação. Ela se sentia um tanto que culpada por seus pensamentos em relação ao pai, mas na verdade, não via a hora de se libertar dessa grande jaula invisível.
Estava subindo as escadas quando ouviu os primeiros sinais de que o velho tinha acordado. Uma tosse começou. A única empregada daquela enorme casa só iria chegar na hora do almoço, até lá, ela tinha que estar disponível para o doutor Felipe.
- Laura - Felipe estava tossindo muito...
- Sim, papai. Estou subindo.
O cheiro do grande quarto era uma mistura de doença e decadência. Quando era criança, Laura começou a se lembrar, o quarto era uma prova quase viva da situação financeira em que crescera. Jóias e objetos valiosos de sua mãe. Uma grande iluminação. E como a senhora doutor Felipe era bonita.
"E como ela chamava?" Laura se viu pensando no nome da mãe. "Ó, Deus, é impossível eu ter esquecido o nome de minha própria mãe."
Mas não era do nome que Laura se esqueceu, e sim do apelido. Senhora Dalloway, como no livro de Virginia Wolf. As memórias de uma era de glórias iam se tornando mais claras na mente de Laura. E é incrível que uma era de glamour tenha durado até a década de 1980 em uma cidade tão pequena como aquela. Laura imaginava que tinha durado pela falta de informação até de que o próprio Brasil passava por uma crise.
Subindo as escadas, Laura reparou num quadro que nunca vira antes. Era um vaso com algumas rosas, via-se claramente que as rosas estavam murchando. Essa visão tão condizente com o resto da casa deixou Laura um tanto que desconcertada. Como nunca tinha visto aquele quadro? Era possível?
Ela acabou concluindo que tem muitas coisas naquela casa da qual não imagina nem mesmo existir, ainda que passe por sua cara dia-a-dia. A casa era como um covil, uma era boa soterrada em meio à fétida doença que o andar de cima emanava. Se ainda fosse só isso, mas Laura achava que existia mais coisas. Que doutor Felipe fora um viciado em cocaína e bon vivant assumido, todos sabiam. Mas e as brigas? As brigas que acordavam a jovem Laura durante a madrugada.
Mas chega de memórias por enquanto. Essa noite e o início do dia já foram mais que suficientes para ela.
Dando um suspiro, Laura entrou no quarto.

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