sexta-feira, 11 de julho de 2008

As Rosas - Capítulo 5: Estupro

Laura entrou no quarto.
Aqueles cheiros e aquelas lembranças deixaram-na com nauseas. As pesadas cortinas de veludo vermelho deixavam o quarto com uma aparência quase mortal, tudo emanava morte e sofrimento, e Laura tinha que adimitir, não era só no quarto como na casa inteira. A casa parecia ter um rítmo próprio, um mundo próprio, pronto para engolir qualquer um que arriscasse desvendar seus segredos.
Seu pai estava deitado na cama, uma cama cheia de pecado e lúxuria. Toda aquela cena parecia muito surreal aos olhos de Laura e ela se lembrou da cena que presenciou quando criança. Aquilo a deixou com mais nojo ainda.
Nojo da casa, nojo do quarto, nojo de ter visto o caso homossexual do pai e, principalmente, nojo de seu pai.
- Onde esteve?
A pergunta de Felipe tirou Laura momentaneamente de seu devaneio.
- Não é porque estou cuidando de ti que tenho que dar satisfações do que faço.
- Enquanto eu estiver vivo sou seu pai, enquanto estiver vivo você me deve satisfações de tudo que faz. Ou você pensa que só porque já é mais velha pode bater de frente comigo? Seria muita pretenção sua pensar assim, minha cara.
Um velho como Felipe poderia estar inválido para as coisas ditas "normais" pela sociedade, mas para Laura ele ainda era forte, pelo menos no sentido de fazê-la se submeter as vontades dele. Tudo que aconteceu quando era criança voltou como uma corrente elétrica pela mente dela. Todas as humilhações, todas as festas, bebidas e noites regadas à cocaína. Todo o sexo sujo praticado enquanto a mãe chorava no andar de baixo, não que Laura gostasse da mãe. Aquela casa inteira cheirava a depravação, valores deturpados e a mais pura maldade humana.
- E por que Jonatan não está aqui para cuidar de ti?
As palavras rolaram da boca de Laura com a velocidade de uma bala e como tal, furou o peito de Felipe.
Os dois ficaram se olhando por um momento e Laura sentiu algo bom, o gosto da vingança.
- Escute, há muito não vejo meu amigo Jonatan. Sua mãe deve estar queimando no inferno por inventar coisas sobre nós.
- Mas eu não disse que minha mãe inventou algo. Disse?
Mais uma vez a língua de Laura foi mais rápida. Cortando Felipe.
- E, ao que parece, é você que vai para o inferno. Culpando sua falecida esposa por algo que eu vi.
Tudo aconteceu em questão de poucos minutos. Mas a atmosfera do quarto mudou, ficando mais escuro, mais pesado, mais malígno. Era como se Laura e Felipe estivessem travando uma batalha de forças. Forças criadas por palavras.

domingo, 8 de junho de 2008

As Rosas - Capítulo 4: Liberdade

Laura se mudou para São Paulo ainda jovem, seus pais, em crise, resolveram mandá-la para ficar na casa de uma tia. Tudo era tão simples naquela época. Sabia que tudo andava mal e São Paulo poderia fazer bem para sua cabeça.
Tinha 15 anos quando foi para lá, terminando o ensino médio, seu pai a obrigou à fazer direito. E ela fez.
Quando terminou a faculdade, a vida de Laura começou.
Festas, drogas, e uma carreira que crescia meteoricamente. Perdeu a virgindade muito velha, mas isso não importava, Laura nunca ligou mesmo para assuntos sexuais, apesar de gostar muito. Foi com seu namorado da época, Ricardo. Um homem bonito, loiro, alto, olhos claros, e com um bom corpo, devido à acadêmia que frequentava. Ambos tinham 20 anos, mas Ricardo já era, por assim dizer, experiente. Ele tinha perdido a virgindade com uma tia, e ela tinha sido sua única parceira sexual até chegar na faculdade.
Ambos estavam sentados na biblioteca, aos beijos, quando Ricardo começou a acariciá-la de uma maneira diferente. Começou com as mãos em seus peitos e foram descendo. Enquanto isso, ele desceu as mãos dela até seus jeans, onde, Laura percebeu, algo rijo a aguardava.
Sabia o que era sexo, apesar de virgem, Laura perdeu sua inocência muito cedo. Achava que aquela era a hora, gostava muito de Ricardo, não era hipócrita dizendo que o amava, mas ainda assim gostava muito dele. Sentia tesão por ele.
Mas uma biblioteca de faculdade não era o lugar ideal.
- Vamos para o seu apartamento - Laura disse meio sussurrado, ficando espantada ao som da própria voz.
Desceram até o estacionamento da universidade e entraram no carro de Ricardo, depois ela viria pegar o seu, ou "foda-se meu carro" como Laura pensou na hora. Ao entrar, Ricardo começou a beijá-la loucamente, de uma maneira febril. Laura ia cedendo. Ricardo abriu seus jeans e tirou seu membro para fora.
- Você teria coragem?
- Do que? - Porém, Laura já sabia o que era.
Então, Ricardo desceu a cabeça de Laura, e ela começou a massageá-lo com a boca. O que mais a deixava excitada era ouvir os gemidos de Ricardo. Ele gemia baixo, era quase como se a respiração dele fosse audível. E a cada gemido, ela chupava mais forte e mais profundamente.
- Agora é minha vez - Ricardo disse num tom muito baixo.
Ele abriou os jeans de Laura, baixou a calça até os joelhos, e baixou a calcinha dela também. E Laura sentiu algo que nunca tinha sentido antes, algo profundo, algo bom, algo forte quando Ricardo começou a lambê-la.
- Sua boceta é apertadinha.
- Cale a boca e continue e me chupar.
Ricardo continuou chupando por mais ou menos meia hora, o tempo não fazia sentido enquanto Laura tinha aquelas sensações secretas e proibidas. Então ele abriu uma camisinha. Seria ali mesmo e ela sabia. E ela não ligava.
Então o momento máximo aconteceu, um momento de dor e prazer supremo. Aquilo era melhor que tudo que Laura já tinha feito. Infinitamente melhor do que as horas que passava se masturbando em seu quarto. E Ricardo começou a fazer um movimento. Entrando cada vez mais fundo em Laura, que se contorcia no banco do carro. Ela podia sentí-lo por dentro. Por um momento que Laura não pode definir o quanto durou, eles eram um só. Então algo aconteceu. Se tudo já estava sendo profundo, Laura acabara de ter seu primeiro orgasmo. Aquilo a fez se sentir importante, especial, sabia que muitas mulheres nunca tinham tido um orgasmo em toda a vida, e ela, perdendo sua virgindade o atingira com tanta facilidade.
Ricardo continuou por mais alguns minutos e também gozou.
Depois disso, Laura continuou o namoro com Ricardo por mais dois anos, então ele a trocou por outra. Não foi algo tão chocante para Laura, ela já tinha enjoado de Ricardo de qualquer maneira. Mas, depois que terminaram, Laura percebeu que não consiguia mais namorar. Então começou o que, para ela, definia sua vida. Sexo casual.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

As Rosas - Capítulo 3: Círculo

Outono, 1975
Doutor Felipe está feliz, hoje ele dará uma grande festa em sua casa. Mais uma das festas que ele e a mulher, Claudia, sempre oferecem à alta-sociedade da pequena cidade de Guaratinguetá. Hoje será diferente porque o doutor Jonatan irá.
Felipe está eufório, recorrendo à ajuda do seu remédio privado de meia em meia hora. Claudia sabe do vício do marido, mas tem medo de que repreendê-lo possa causar mais uma das discussões que se tornam mais frequentes a cada respiro.
Claudia também conhece Jonatan, sabe que ele e o marido são amigos de longa data, se conheceram durante a faculdade, só que enquanto Felipe ficou em Guaratinguetá e prosperou, Jonatan se mudou para Londres e há pouco retornou, num estado um pouco acima da miséria.
A relação entre Claudia e Felipe começou a se ficar mais tensa quando ele soube do regresso de Jonatan, o vício pareceu ficar mais forte e as idas à bares e bordéis mais frequentes. Ela sabe de tudo isso, mas prefere ficar calada, afinal Laura tem apenas 7 anos e ela não conseguiria ficar sem a filha.
O relógio da sala principal informa que já são quase 22 horas, os convidados começam a chegar e de repente, a vida de Claudia e Felipe parece se transformar, eles são de novo um casal feliz com uma linda herdeira.
Tudo está tão perfeito quanto um sonho.
Então Jonatan irrompe pela porta principal. Vestido em seu melhor terno, Claudia o acha muito atraente, e se sente culpada por ter esse tipo de sentimento pelo melhor amigo de seu marido.
A festa segue e tudo está em seu devido lugar.
E tudo desmorona quando o último casal vai embora.
Claudia sente tudo mudando.
Ela vê algo no olhar de Felipe, algo que nunca vira antes. Um misto de desejo, culpa, pressa e maldade.
- Durma essa noite com as empregadas, Claudia.
- Felipe, você não tem esse direito.
- Eu não pedi.
Um sentimento novo invade Claudia, o desespero. Como Felipe pode tratá-la dessa forma? E por que Jonatan ainda não partiu?
- Felipe - Claudia começa a chorar.
- Mande uma empregada arrumar o quarto de hóspedes para Jonatan e durma aqui embaixo.
Ela sai da sala chorando. E faz como o anfitrião pediu.
Na sala, Felipe e Jonatan conversam, enquanto bebem e, ocasionalmente, cheiram.
- Jonatan, por que foi para Londres?
- Tudo aqui no Brasil estava tedioso, precisava esperimentar a vida fora daqui.
- E imagino que perdeu todo seu dinheiro vagando de pubs à bordéis.
- Certamente.
Na mente de Felipe, imagens da época da faculdade. Imagens.
- Lembra-se de quando estudávamos, Jonatan?
- Claro, meus melhores anos.
- Quantas aventuras, quantos ideais perdidos.
- Mas ainda tens uma bela casa, uma esposa dedicada e uma criança que ainda não conheci.
- Minha casa realmente é uma boa casa, mas Claudia... Bem, estamos juntos, mas confesso que unicamente por dó. Ela reclama de tudo que faço, tenho escapado através da cocaína e dos bordéis baratos daqui.
- Lembra-se dos bosques?
Dizendo isso, Jonatan se levanta e sobe as escadas. Felipe vai atrás.
É claro que Felipe se lembra dos bosques. Eram recém-adúltos descobrindo os prazeres da carne. Mas qual é o motivo para repetir isso?
No quarto, Felipe e Jonatan se beijam. E é como se todas as lembranças, sonhos e ideais perdidos voltassem. Mas dessa vez é mais forte. Os beijos de Jonatan, uma língua tocando na outra, a barba por fazer raspando seu queixo e o corpo forte e quente pressionando o seu. Felipe o joga na cama e sua mão começa a percorrer o corpo de Jonatan. Sentindo cada pedaço do seu corpo. Aos poucos as roupas começam a aparecer embaixo da cama.
Agora, a língua de Jonatan percorre o corpo nú de Felipe. E ambos estremessem de prazer como se fossem um só. E é isso que eles se tornaram por um momento que pareceria a eternidade. Felipe sentiu o membro enrijecido de Jonatan entrando nele, uma sensação de muita dor percorreu seu corpo, mas a respiração de Jonatan e o corpo dele encostado no seu fez a dor se transformar numa sensação de puro prazer. Puro prazer emocional e fisíco que nem uma enorme carreira de cocaína seria capaz de proporcionar.
Enquanto Jonatan e Felipe sentiam suas respirações como se fossem um único ser, Laura olhava. Ela, na sua idade, não saberia descrever quais foram as sensações que passaram por seu corpo. Medo, tristeza, perplexidade, curiosidade e algo mais fundo, algo (prazer?) que ela nunca conseguiu definir.
Laura voltou para cama depois de ter ficado parada olhando durante um tempo que nunca soube ou quis admitir.
Enquanto isso, no quarto vizinho ao da pequena princesa, o ato tinha fim com o arfar quente da respiração de Jonatan se tornando mais forte no ouvido de Felipe. Tudo fora tão rápido e intenso.

Num quarto escondido perto do porão, Claudia chorava, como se soubesse o que estava acontecendo na cama que dividia com o, cada vez mais, ausente Felipe.

As Rosas - Capítulo 2: Escravidão

Ela entrou.
A casa ainda estava muito escura, devido às pesadas cortinas de veludo. Algo desnecessário, na opinião de Laura, já que seu pai estava morrendo. De fato, o câncer de seu pai parecia ter impregnado cada pedaço da casa e de sua vida. Ele se tornou um fardo, uma obrigação. Ela se sentia um tanto que culpada por seus pensamentos em relação ao pai, mas na verdade, não via a hora de se libertar dessa grande jaula invisível.
Estava subindo as escadas quando ouviu os primeiros sinais de que o velho tinha acordado. Uma tosse começou. A única empregada daquela enorme casa só iria chegar na hora do almoço, até lá, ela tinha que estar disponível para o doutor Felipe.
- Laura - Felipe estava tossindo muito...
- Sim, papai. Estou subindo.
O cheiro do grande quarto era uma mistura de doença e decadência. Quando era criança, Laura começou a se lembrar, o quarto era uma prova quase viva da situação financeira em que crescera. Jóias e objetos valiosos de sua mãe. Uma grande iluminação. E como a senhora doutor Felipe era bonita.
"E como ela chamava?" Laura se viu pensando no nome da mãe. "Ó, Deus, é impossível eu ter esquecido o nome de minha própria mãe."
Mas não era do nome que Laura se esqueceu, e sim do apelido. Senhora Dalloway, como no livro de Virginia Wolf. As memórias de uma era de glórias iam se tornando mais claras na mente de Laura. E é incrível que uma era de glamour tenha durado até a década de 1980 em uma cidade tão pequena como aquela. Laura imaginava que tinha durado pela falta de informação até de que o próprio Brasil passava por uma crise.
Subindo as escadas, Laura reparou num quadro que nunca vira antes. Era um vaso com algumas rosas, via-se claramente que as rosas estavam murchando. Essa visão tão condizente com o resto da casa deixou Laura um tanto que desconcertada. Como nunca tinha visto aquele quadro? Era possível?
Ela acabou concluindo que tem muitas coisas naquela casa da qual não imagina nem mesmo existir, ainda que passe por sua cara dia-a-dia. A casa era como um covil, uma era boa soterrada em meio à fétida doença que o andar de cima emanava. Se ainda fosse só isso, mas Laura achava que existia mais coisas. Que doutor Felipe fora um viciado em cocaína e bon vivant assumido, todos sabiam. Mas e as brigas? As brigas que acordavam a jovem Laura durante a madrugada.
Mas chega de memórias por enquanto. Essa noite e o início do dia já foram mais que suficientes para ela.
Dando um suspiro, Laura entrou no quarto.

As Rosas - Capítulo 1: Amanhecer

Ela acordou e olhou pela janela, ainda estava escuro, porém no horizonte, as primeiras luzes da manhã esboçavam um novo dia. Levantou, ainda nua, e olhou para o corpo adormecido ao seu lado. Caminhando lentamente para a janela, acendeu o último cigarro de seu maço e encostou-se, observando a cidade que ainda dormia aos seus pés. De frente, ao longe, estava a catedral. À sua esquerda via os carros caminhando infinitamente de lugar nenhum para lugar nenhum.
O homem que ainda dormia era Renato, Laura o conheceu através da internet. Um homem bem afeiçoado, que aparentava uns 25 anos, apesar de estar na casa dos 30.
Vendo-o ainda dormindo, Laura pensou:
"Ele deve me achar uma puta."
O novo dia começava lentamente, e com as luzes surgia a opressão que Laura sentia. Como poderia ter feito uma das melhores faculdades do país e acabar cuidando de seu pai inválido numa cidade de merda? Se tudo isso ainda não fosse o bastante, acabou transando com um caipira qualquer, que deveria achar que todas as mulheres que procuram um sexo casual fossem piranhas. Ele, provavelmente, nunca teria algo sério com ela.
"Foda-se ele", ela pensou.
O cigarro estava quase no fim quando ela o atirou pela janela. Depois disso, como toda transa casual com um desconhecido, tudo estava acabado. Foi ao banheiro e ligou o chuveiro. Iria tirar todo o cheiro barato daquele homem de seu corpo. Não que a noite não tenha sido boa, ao contrário, não foi sua melhor transa, mas ele a fez gozar três vezes. Laura era completamente feminista, um sentimento comum às mulheres da cidade.
Estava ainda no banho quando ouviu Renato acordar. Ele foi até o banheiro e ficou observando a bela mulher.
"Por favor Deus, sem replay." Laura desligou o chuveiro e pegou a toalha. Com um olhar de indiferença para Renato, dirigiu-se até o quarto. Pela luz da manhã, ela viu toda os detalhes do deprimente quarto de pensão que ele morava. Uma cama de casal, uma estante com uma televisão pequena e um aparelho de DVD. Pelo menos tudo era muito limpo e arrumado, mas isso só contribuia para tornar o quarto ainda mais vulgar.
Ela vestiu sua roupa e estava preparando para sair quando Renato surgiu apenas de toalha na porta.
- Já está de saída?
- Claro - Laura não queria prolongar a conversa com o, praticamente, "desconhecido" na sua frente.
O que não parava de ir e vir na mente de Laura naquele momento era a imagem do pai. Um ilustre advogado daquela cidadezinha, que agora mal saia da cama devido à um câncer pulmonar. Por que ela teria que cuidar dele, se financeiramente, ele poderia ter alguém muito melhor para ficar com ele até a morte que parecia se aproximar mais e mais, sussurando ao seu ouvido? Nem ela saberia o motivo pelo qual largou um futuro promissor em São Paulo para retornar à uma cidade que não existia nem mais em seus sonhos. O fato é que a mãe de Laura falecera há três anos, e desde então o doutor Felipe, seu pai, vivia sozinho. Até a descoberta do câncer.
Para sua sorte, Renato não quis prolongar a conversa. Se despediram como se fossem bom amigos, e Laura deu partida em seu carro.
Cada centímetro da cidade parece clamar pelo retorno de Laura, como ficou um bom tempo sem pensar sobre sua infância e adolescência, parecia que as memórias retornavam na velocidade da luz.
Parando na entrada da casa antiga que cresceu e agora, infelizmente, voltara a ser seu lar; Laura ficou a observar os detalhes, antes despercebidos. Aquela era uma bela casa. Reparou em tudo, no portão, na porta de entrada, nas sacadas. A luz do quarto de seu pai ainda estava apagada, e pelo seu relógio, o velho iria levantar em menos de meia hora.
"Por que os velhos acordam tão cedo?", Laura pensou, se dirigindo à porta.