Laura entrou no quarto.
Aqueles cheiros e aquelas lembranças deixaram-na com nauseas. As pesadas cortinas de veludo vermelho deixavam o quarto com uma aparência quase mortal, tudo emanava morte e sofrimento, e Laura tinha que adimitir, não era só no quarto como na casa inteira. A casa parecia ter um rítmo próprio, um mundo próprio, pronto para engolir qualquer um que arriscasse desvendar seus segredos.
Seu pai estava deitado na cama, uma cama cheia de pecado e lúxuria. Toda aquela cena parecia muito surreal aos olhos de Laura e ela se lembrou da cena que presenciou quando criança. Aquilo a deixou com mais nojo ainda.
Nojo da casa, nojo do quarto, nojo de ter visto o caso homossexual do pai e, principalmente, nojo de seu pai.
- Onde esteve?
A pergunta de Felipe tirou Laura momentaneamente de seu devaneio.
- Não é porque estou cuidando de ti que tenho que dar satisfações do que faço.
- Enquanto eu estiver vivo sou seu pai, enquanto estiver vivo você me deve satisfações de tudo que faz. Ou você pensa que só porque já é mais velha pode bater de frente comigo? Seria muita pretenção sua pensar assim, minha cara.
Um velho como Felipe poderia estar inválido para as coisas ditas "normais" pela sociedade, mas para Laura ele ainda era forte, pelo menos no sentido de fazê-la se submeter as vontades dele. Tudo que aconteceu quando era criança voltou como uma corrente elétrica pela mente dela. Todas as humilhações, todas as festas, bebidas e noites regadas à cocaína. Todo o sexo sujo praticado enquanto a mãe chorava no andar de baixo, não que Laura gostasse da mãe. Aquela casa inteira cheirava a depravação, valores deturpados e a mais pura maldade humana.
- E por que Jonatan não está aqui para cuidar de ti?
As palavras rolaram da boca de Laura com a velocidade de uma bala e como tal, furou o peito de Felipe.
Os dois ficaram se olhando por um momento e Laura sentiu algo bom, o gosto da vingança.
- Escute, há muito não vejo meu amigo Jonatan. Sua mãe deve estar queimando no inferno por inventar coisas sobre nós.
- Mas eu não disse que minha mãe inventou algo. Disse?
Mais uma vez a língua de Laura foi mais rápida. Cortando Felipe.
- E, ao que parece, é você que vai para o inferno. Culpando sua falecida esposa por algo que eu vi.
Tudo aconteceu em questão de poucos minutos. Mas a atmosfera do quarto mudou, ficando mais escuro, mais pesado, mais malígno. Era como se Laura e Felipe estivessem travando uma batalha de forças. Forças criadas por palavras.